Conversa Fora
Por Luciana Nóbrega
Março — quando as águas sabem mais do que nós
"São as águas de março fechando o verão."
A primeira vez que se ouve essa frase pode parecer só mais uma rima bonita. Mas não é. Ela carrega dentro de si uma sabedoria antiga, dessas que a natureza ensina sem levantar a voz. Nessa possível metáfora: Março chega como quem limpa — lava telhados, quintais e também o que mora por dentro. Assim como o que há dentro de si. É o mês em que o céu chora por nós, quando ainda não conseguimos. E há uma certa beleza melancólica nisso: nas coisas que desmancham pra dar espaço ao que virá. Porque há recomeços que só brotam depois da lama.
A música Águas de Março, escrita por Tom Jobim, eternizou esse movimento com uma genialidade rara — o tipo de obra que, quanto mais se escuta, mais revela. Na gravação que fez com Elis Regina, há algo que transcende técnica: é entrega. Elis, com sua voz cortante e viva, encontra em Tom a contenção exata, a medida justa entre caos e equilíbrio. Juntos, eles não apenas cantam uma música; eles encenam um ciclo, uma coreografia da existência. E nos bastidores havia toda uma aflição entre os dois não revelada na interpretação, que só sabemos dos livros, do filem e das histórias que ficam, mas que ali está completamente camuflada em uma harmonia sem medida e sem descrição em palavras que só mesmo grandes ícones como eles, conseguiriam imprimir tão discretamente e porem tão bem, que jamais se lê a possível desarmonia que também enssoava naqueles ares históricos.
“É pau, é pedra, é o fim do caminho / É um resto de toco, é um pouco sozinho...” — nesse trecho, o cotidiano se transforma em poesia. A lista quase infinita de elementos parece desconexa, mas ali está o mundo. As coisas pequenas, as dores miúdas, as pausas e os passos. Tudo vira símbolo. Tudo é vida.
Ah quem diga que os ares já não são mais os mesmos e que as chuvas agora se fecham em outros meses, porem a analogia já imprimiu-se no tempo, na história na bela poesia das comparações, que independe do mês que se dê a natureza está ai e compoe como Tom, este cenário.
E então ela fecha o ciclo: “É a promessa de vida no teu coração.” Como quem diz que, depois da tormenta, algo sempre floresce. E que a vida, apesar do peso e do barro, insiste. Tom e Elis entenderam isso profundamente. Eles não só compuseram o canto e interpretação, dessa riquesa cultural que não é mais apenas uma canção — eles nos ensinaram a ouvir o tempo. E é onde se pode dizer que o interprete vira um pouquinho autor, parceiro em sua colocação e verdade. Verdade que soma e que não transpassa a realidade autoral, mas acrescenta e imprimi a verdade e a esencia nela!
Março, assim como a música, é convite e metáfora. É quando a terra se prepara para germinar — e a gente também. Basta respeitar o silêncio da chuva e confiar que, no fim das contas, a natureza sabe mais do que nós. E se não chover em março, então a gente cria a chuva em nossos pensamentos e nas lembranças melodicas de suas águas e das águas de Tom e revivendo as emoções, e a beleza da poesia implicita nas memorias que por si só fazem chover, supoem-se que até as águas imaginárias se tornaram nossas ! As " águas de março" então concretizam-se tombadas, se não em nossas vidas, mas na arte que florece delas!
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