Lendo Dona Cila, Canção de Maria Gadú
Uma leitura íntima dessa belíssima canção de uma compositora e interprete, igualmente belíssima: Maria Gadú.
Conversa Fora
Por Luciana Nóbrega
Quando Gadú canta o que nem sempre conseguimos dizer
Há canções que não pedem explicação — apenas silêncio e entrega. Dona Cila é uma delas. Maria Gadú não canta apenas a dor da ausência, ela costura afeto com uma ternura que desarma. E foi ouvindo esse canto que algo em mim se moveu de um jeito particular. Sou neta de uma Syla — e, por isso, talvez, essa música me encontre com ainda mais precisão. Minha avó, tão maravilhosa quanto a da canção que abraça minha saudade de um mesmo tempo, na infância com muito cheiro de amor e carinho, leite quente, ares de montanhas e de minas.
“De todo o amor que eu tenho / Metade foi tu que me deu” não é só uma lembrança. É um reconhecimento. É o tipo de verso que repousa onde a gente costuma esconder o que sente de verdade. Porque amar, às vezes, também dói. E lembrar de quem nos ensinou a ser — ainda mais. Gadú, com a delicadeza de quem sabe o peso e o poder de um nome, fala de despedida como quem fala de raiz.
Esse trecho é, na verdade, uma promessa de continuidade: “Se queres partir, ir embora / Me olha da onde estiver / Que eu vou te mostrar que eu tô pronta / Me colha madura do pé”. Não há desespero, há honra. Há uma maturidade que só a perda, quando amada, consegue oferecer. Como se dissesse: eu sigo porque fui feita de você. É Orgulho sem vaidade, é amor de raiz por nossas raizes, é mais que isso admiração singela.
E quando ela canta “Salve, salve essa nega / Que axé ela tem / Te carrego no colo e te dou minha mão”, o que se ouve não é apenas uma homenagem. É um canto ancestral. Um gesto de fé. Um manifesto de gratidão que ultrapassa o tempo e a presença física. É colo eterno. É axé herdado. É o tipo de amor que, mesmo ausente, continua nos fazendo florir. È a nossa base mais forte, só que escancarada de gratidão e poesia.
Gadú toca onde é mais íntimo — e por isso emociona. Não há truque, não há exagero. Só verdade. E, às vezes, é disso que mais precisamos. E a cultura brasileira também !